Um estudo inédito realizado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e publicado na última quinta-feira (15) na prestigiada revista Science revelou que a população do Ceará possui, majoritariamente, DNA de origem europeia, seguido por uma contribuição significativa da ancestralidade africana. A ancestralidade indígena aparece em menor proporção, enquanto a influência genética asiática é praticamente inexistente no estado.
Intitulada “O impacto da miscigenação na evolução e na saúde da população brasileira”, a pesquisa é considerada a mais abrangente já feita sobre o genoma de brasileiros. Foram analisadas amostras de DNA de 2.723 pessoas de diversas regiões do país. A média nacional de ancestralidade entre os participantes foi de aproximadamente 60% europeia, 27% africana e 13% indígena.
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Herança histórica e apagamento indígena
A predominância genética europeia no Ceará, embora constatada nas análises, contrasta com os dados demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo o censo, 64,7% da população cearense se autodeclara parda, 27,9% branca, 6,8% preta e apenas 0,6% indígena.
A presença europeia no estado começou a se consolidar a partir do final do século XVII, com o estabelecimento de portugueses e, em menor número, franceses e holandeses. Paralelamente, chegaram os primeiros africanos escravizados, principalmente da região centro-ocidental da África (83%), além de uma parcela vinda da região sudanesa (17%).
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As populações indígenas já habitavam o território cearense há mais de 10 mil anos, mas sofreram intensamente com a colonização. “Entre 1650 e 1780, houve um verdadeiro extermínio dos povos originários. Por volta de 1800, os indígenas já representavam apenas cerca de 6% da população local”, explica o historiador Francisco José Pinheiro.
A análise genética também evidencia que o DNA herdado por linha materna é, em grande parte, de origem indígena e africana, enquanto o herdado por linha paterna é majoritariamente europeu — um reflexo direto das relações desiguais e muitas vezes forçadas entre homens europeus e mulheres indígenas e africanas durante o período colonial.
Genética e saúde: resistência a doenças e medicina de precisão
O estudo da USP vai além da composição genética da população: ele identificou mais de 78 milhões de variações genéticas, das quais cerca de 9 milhões nunca haviam sido registradas anteriormente. Dessas, mais de 36 mil podem estar associadas a doenças.
No Nordeste, os pesquisadores identificaram genes ligados à resposta imunológica, sugerindo maior resistência a doenças infecciosas, como HIV, tuberculose, malária e algumas doenças autoimunes. Essas características estão associadas, principalmente, à ancestralidade africana.
“A genética pode explicar por que algumas populações são mais resistentes ou mais suscetíveis a determinadas enfermidades. Esse conhecimento é essencial para o desenvolvimento da medicina de precisão no Brasil”, afirma Renan Lemes.
A chamada medicina de precisão propõe diagnósticos e tratamentos personalizados, baseados no perfil genético do paciente. Por exemplo, pessoas com mutações que aumentam o risco de câncer de mama podem iniciar exames preventivos mais cedo, enquanto outras, sem essa predisposição, podem espaçar os exames — o que traz ganhos para a saúde pública e economia de recursos.
Futuro da saúde pública: SUS mais inteligente
A pesquisa da USP faz parte do Programa Genomas Brasil, iniciativa do Ministério da Saúde voltada para a personalização do cuidado no Sistema Único de Saúde (SUS). Na primeira fase, o projeto recebeu R$ 8 milhões em investimentos federais. Na segunda, outros R$ 17 milhões foram adicionados. A meta é sequenciar 100 mil genomas brasileiros até 2026.
Segundo Evandro Lupatini, coordenador-geral de Ações Estratégicas em Pesquisa Clínica do Ministério da Saúde, os dados coletados ajudarão a ajustar o fornecimento de medicamentos e serviços conforme o perfil genético da população de cada região.
“Sabemos que determinadas populações negras respondem de forma diferente a certos anti-hipertensivos. Com esses dados, podemos reforçar o fornecimento desses medicamentos em regiões com maior proporção dessa ancestralidade”, exemplifica.
Além disso, o programa pode aprimorar o planejamento de serviços oncológicos, considerando a prevalência de tipos específicos de câncer em diferentes grupos genéticos.
Com um investimento proposto de R$ 250 milhões no próximo ano, o Genomas Brasil é uma aposta estratégica para o futuro da saúde no país — com potencial para transformar diagnósticos, tratamentos e o próprio funcionamento do SUS, com base na ciência e na diversidade genética do povo brasileiro.
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Fonte: gcmais.com.br